O Coletivo Desvio Particular – expressão do jargão ferroviário que designa linha férrea adjacente à principal, que atende empresas industriais ou comerciais instaladas às imediações das estradas de ferro –, em parceria com o Comitê Brasileiro para Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH/Brasil) e por apoio institucional da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), tem a honra de apresentar o projeto “O êxodo Industrial e a Fotografia”.
O Coletivo, composto por André de Oliveira, Hugo Ribeiro e Nayana Fernández, foi formado com o objetivo de produzir registros do processo de desindustrialização no Estado de São Paulo.
As fotografias de Hugo Ribeiro, que ora apresentamos, registram os sinais do processo econômico ao longo da linha antiga São Paulo Railway. Também nesta ocasião, ainda oferecemos à leitura do público virtual os textos “O Estado da Arte”, do mesmo fotógrafo, e “A Indústria na orla da ferrovia Santos – Jundiaí na cidade de São Paulo”, de Fernando de Pádua Laurentino, autor da dissertação de mestrado “Várzeas do Tamanduateí: industrialização e desindustrialização”.
Boa exposição a todos.
Estamos realizando financiamento coletivo para a impressão das fotografias da exposição “O Êxodo Industrial e a Fotografia” em formato de fotolivro. Nos ajude e ganhe um exemplar. Saiba mais clicando no botão abaixo.
Hugo Ribeiro de Paulo e Silva
Por Fernando de Pádua Laurentino
Durante a faculdade participei de um trabalho de campo da disciplina de Geografia das Indústrias que era ministrada na época pela Profa. Dra. Margarida Maria de Andrade. Naquela atividade conhecemos bairros paulistanos da primeira industrialização de São Paulo. No deslocamento a São Caetano do Sul atravessamos o conjunto de indústrias e galpões que acompanha a orla dos trilhos da ferrovia Santos – Jundiaí e que caracterizava bem nosso objeto de estudo.
O ônibus que levava os alunos tomou a Avenida Presidente Wilson a partir do seu início no bairro da Mooca. A avenida que se estende por mais de 7 quilômetros é uma sucessão quase ininterrupta de indústrias e galpões de ambos os lados. O padrão de ocupação caracteriza o primeiro surto de industrialização da cidade. Naquela avenida vemos extensos muros ladeando as calçadas e com as portas das fábricas direto na rua de modo que o espaço fabril se separava por poucos metros do meio fio. Fachadas, paredes e chaminés de tijolinhos a vista, telhados em zigue zague e estruturas de ferro são presentes nessa paisagem. Não há estacionamentos nas fábricas porque na época em que foram construídas o automóvel ainda era uma novidade.
Além dessas considerações fundamentais que caracterizavam a incipiente indústria paulistana outros aspectos me chamaram a atenção e me provocaram. A avenida é retilínea em todo o seu percurso, possibilitada pelo fato do terreno onde está assentada ser absolutamente plano. De maneira que quem olha a partir do nível daquele logradouro o vê se estender para um ponto de fuga longínquo. As fachadas das fábricas e galpões eram muito parecidas e em vários trechos eram compostas apenas por extensos e altos muros brancos ou cinzas com guaritas sobre elas e com enormes portões de ferro. Muitos dos edifícios estavam desocupados pois não indicavam quaisquer atividades neles e placas com “aluga-se” ou “vende-se” denunciavam a desocupação. Outros espaços industriais não estavam apenas vazios como apresentavam abandono pelo estado de deterioração de seus equipamentos ou estruturas que enferrujavam. Havia pouquíssimas pessoas na avenida. Também quase não havia árvores nas calçadas criando um ambiente desértico. Aquela paisagem suscitava em mim um sentimento de solidão, hostilidade e estranhamento. Foram estranhamentos que me levaram a querer entender melhor a produção daquele espaço e o fenômeno da saída da indústria da cidade de São Paulo e daquele lugar em particular.
A partir de uma pesquisa fez-se um histórico do processo de ocupação do lugar descrito até a saída das indústrias. Com o estudo entendemos que a ocupação industrial da área se deu em função da proximidade da linha férrea e de suas estações, um dos principais fatores locacionais da primeira industrialização de São Paulo. A ferrovia Santos – Jundiaí, por sua vez, na cidade de São Paulo, se estabeleceu sobre as várzeas do rio Tamanduateí. Isto porque eram terrenos que lhe garantia uma condição muito favorável ao seu assentamento: extensa superfície plana. Além do mais, aqueles terrenos eram baratos porque repeliam o assentamento humano pois alagavam na estação das chuvas. Porém, as várzeas como espaços abertos e livres eram apropriadas pela população trabalhadora e mais pobre da cidade para as mais diferentes atividades e entre elas o lazer. Destaque para o futebol que aqui no Brasil foi jogado pela primeira vez nas várzeas do Tamanduateí, se desenvolveu nas margens de muitos rios paulistanos e que ficou amplamente conhecido como futebol de várzea.
A indústria que viria na sequência dos trilhos, buscando a proximidade das estações ferroviárias, também se aproveitou das condições naturais e de preço oferecidos pelos terrenos de várzea e lá se instalou criando uma região industrial linear na superfície de inundação do rio Tamanduateí.
Se no início do século XX os trilhos, juntamente com os terrenos de várzea, eram atrativos para a indústria deixariam de ser nas últimas décadas do mesmo século. O processo intenso de metropolização pelo qual passou São Paulo elevou o custo da manutenção da atividade fabril dentro da cidade. A valorização do solo urbano, a organização dos trabalhadores (que elevou a média salarial) e desdobramentos da aglomeração urbana (trânsito, pouco ou nenhum espaço para expansão etc.) fez com que a indústria passasse a buscar outros lugares, fora da cidade de São Paulo, para se instalar.
O estranhamento citado anteriormente me levou a uma compreensão das transformações dos (ainda presentes) espaços de várzea e da saída e abandono dos espaços industriais. A busca pelas melhores condições locacionais para a indústria ajuda a explicar a localização do primeiro surto da industrialização de São Paulo assim como a saída das unidades fabris ao longo da Avenida Presidente Wilson. A pesquisa permitiu entender a reprodução daquele espaço e assim desenvolver uma análise sobre os processos socioeconômicos e dos interesses dos agentes envolvidos na ocupação e apropriação das várzeas do Tamanduateí.
Por Hugo Ribeiro
Não pretendemos atribuir significado às imagens que ora apresentamos, antes gostaríamos de pontar supostas correlações do nosso trabalho com outros e o contexto artístico no qual nos inserimos. Como registramos um processo de desindustrialização, começaremos por falar da industrialização do Brasil.
Poderíamos ter que as transformações na Colônia se iniciaram com a chegada da Família Real no Brasil (1808). Com a Independência política e com a integração do Brasil às relações econômicas internacionais, a modernização[1] setorizada, parcelar e pontual, ainda que complexa, do Estado Nacional brasileiro passa a transformar estruturalmente as relações socioeconômicas da sociedade mercada pelo estatuto colonial.
As processuais modernizações econômicas e a Independência repercutiram no plano superestrutural, intelectual e imagético, com produções que reclamavam o gentílico “brasileiras”, tanto pela origem quanto pelos assuntos – à guisa de exemplo, o romance indianista de José de Alencar, ainda no Império, e, já no século XX, a Semana de Arte Moderna[2]. Um dos símbolos do progresso foram as Estradas de Ferro[3] que passaram a ser edificadas na metade do século XIX[4] [5] – Guilherme Gaensly[6], Marc Ferrez[7], Frederic Manuel[8] e Militão Augusto de Azevedo[9] registraram a construção da São Paulo Railway. A fotografia, que também nasce da Revolução Industrial, desempenhou relevante papel com a produção de imagens do surgimento do urbanismo capitalista em meio ao ruralismo escravista. A São Paulo Railway, construída nas várzeas do Tamanduateí, cumpre papel relevante, mas não único[10], no processo de industrialização do Estado e de desenvolvimento econômico das demais cidades da região metropolitana, como São Caetano do Sul e Santo André, contíguas à capital.
No Século XX a fotografia avança e se estabelece no Brasil, acompanhando e respondendo ao desenvolvimento econômico do país. Surge o Foto Cine Clube Bandeirante[11], reunindo fotógrafos e entusiastas em São Paulo, concorrendo para a popularização da fotografia. Se pudéssemos, com risco de errarmos pela exagerada redução, escolher uma obra fotográfica que representasse a modernização do Brasil, escolheríamos a profícua produção de Hans Gunter Flieg[12]: quem fotografou de peças usinadas de emprego industrial a jarras de vidro para uso doméstico, galpões e fábricas, frotas de ônibus e o metrô, a cidade de São Paulo, a arquitetura modernista do MASP e do Ibirapuera, usinas hidroelétricas etc. O Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP), com coordenação Helouise Costa e Marcos Fabris, publicou o e-book “Modernismos em diálogo: o papel social da arte e da fotografia na obra de Hans Gunter Flieg”, do qual destacamos o seguinte trecho do artigo “Hans Gunter Flieg: vida e obra” de Sergio Burgi:
“A partir dos anos 1940, o trabalho de Flieg foi fortemente influenciado pela modernidade europeia, aliando o domínio na elaboração formal da imagem fotográfica a um absoluto controle da iluminação, da exposição e do processamento da película. Essas imagens extremamente elaboradas, produzidas em sua maioria como trabalhos comissionados, principalmente as fotografias de indústrias e de produtos, nos direcionam para um novo universo imagético, voltado para o “êxtase das coisas”. Nele, a fotografia passa a ser a ferramenta por excelência para o registro e a visualização dos objetos da sociedade industrial, bem como para suas subsequentes comercialização e circulação, já que a publicidade e a propaganda, especialmente a partir dos anos 1950, incorporaram maciçamente a fotografia a suas ferramentas.”[13]
Em que pese o auspicioso desenvolvimento do país, os brasileiros amargaram lastimáveis dias sob o regime militar após o golpe de 1964. Neste odioso período, centenas de homens e mulheres foram perseguidos, torturados e mortos, sob a alegação de oferecerem risco ao Estado, de serem “subversivos” – classificação ad hoc imputável a qualquer democrata e/ou opositor à ditadura burgo-militar. A gestão entreguista abriu as porteiras para o Imperialismo e reforçou a dependência do Brasil ante as potências internacionais – além dar causa à monstruosa inflação que pautou as políticas econômicas das décadas de 80 e 90.
A indústria nacional teve seu apogeu no final da década de 1980, quando, em função de questões econômicas de ordem interna (medidas neoliberais, privatizações, políticas de estabilização monetária, custos de aglomeração etc.), externas (globalização, divisão internacional do trabalho, concorrência internacional etc.) e estruturais (dependência), a participação do setor secundário no PIB engolfa e daí em diante, nas décadas seguintes, se inicia a desindustrialização do país.[14]
O Estado de São Paulo, importante centro fabril do Brasil, é particularmente atingido pelos efeitos econômicos decorrentes das medidas neoliberais adotadas pelo Governo Federal e pela competição internacional. Com o encerramento de atividades produtivas de centenas de empresas, a desmobilização de galpões fabris, o aumento do setor terciário, a conversão de regiões produtivas em cidades dormitório etc., a paisagem urbana do que foi o maior polo industrial da América Latina é dramaticamente modificada.
Assim, surge a pergunta: a produção fotográfica tem acompanhado esse movimento de desindustrialização como registrou o desenvolvimento industrial no Brasil? Sim, mas não como em muitos outros países – sem qualquer julgamento sobre este fato.
Em uma entrevista dada a Ulf Erdmann Ziegler, Hilla Becher foi indagada se não achara estranho o interesse de Bernhard Becher por prédios industriais: “Aquilo me atraía também, eu só não sabia direito de que maneira.[15]” Essa mesma atração, da qual compartilhamos, tem se manifestado por todo o mundo de formas distintas.
A produção fotográfica, como as artes de um modo geral, responde a estímulos. Dada a precariedade da preservação do patrimônio industrial e o abandono, podemos colocar que estes estímulos, a “atração” pelas construções fabris, aqui e acolá, está vinculada ao “fascínio” pela ruína.
A categoria de ruína na fotografia é tão ampla e genérica, que pode compreender desde as fotografias de destroços de casas após a passagem de tempestades (Robert Polidori, com o trabalho “After the flood[16]”), a desmobilização de aparato bélico pelo desmonte da URSS (Eric Lusito, em “After the Wall: traces of the Soviet Empire”[17]), ou escombros de guerra (Kai Wiedenhöfer, em “The book of destruction: Gaza – one year after the 2009 war”[18]). Nos parece que a ruína, como sinais remanescentes de algo que já não mais existe, está atrelada ao fenômeno da transformação, da mudança.
As redes sociais desempenham um papel relevante na circulação e popularização das imagens de ruínas e escombros, seja de construções astecas, seja de cidade abandonada em virtude de acidente nuclear. No Instagram, plataforma na qual artistas amadores ou profissionais depositam suas fotografias, existe uma pletora de hashtags que classificam as imagens do abandono e a prática da exploração de lugares abandonados[19].
Aqui no Brasil, poderíamos citar o ensaio fotográfico de Ana Ottoni sobre as ruínas brutalistas, tema que foi analisado com profundidade em sua dissertação de mestrado[20], onde faz ricas considerações sobre a dimensão estética da ruína – o que nos demove do atrevimento de qualquer digressão sobre o assunto. Recomendamos a leitura. Mas, principalmente, o nosso trabalho se aproxima – tematicamente e não qualitativamente – do maravilhoso ensaio “A última aventura”[21] de Romy Pocz[22], quando capturou os vestígios da Fordlândia[23] – que, em alguma medida, está próximo do assunto do Detroitism – neste particular, poderíamos citar as fotografias de Yves Marchan/Romain Meffre[24] e Andrew Moore[25].
O cinema brasileiro também conseguiu capturar esse fenômeno. O filme “Ontem havia coisas estranhas no céu”, dirigido por Bruno Risas, é uma dramática representação do cotidiano de uma família de classe média baixa que vive no bairro da Mooca. De pano de fundo se tem o processo de reestruturação urbana, chaminés de barro entre prédios comerciais e residenciais, e a ocorrência de problemas urbanísticos como a privatização do espaço público e a desenfreada verticalização urbana. O filme se passa em um bairro industrial que foi convertido em residencial: no passado a Mooca tinha muitas fábricas e na região residiam milhares de operários, como registra a canção “Abrigo de vagabundo” de Adoniran Barbosa:
“Eu arranjei o meu dinheiro trabalhando o ano inteiro
Numa cerâmica, fabricando potes e lá no alto da Mooca
Eu comprei um lindo lote dez de frente e dez de fundos
Construí minha maloca”
Gostaríamos de discorrer sobre o cenário internacional e como os artistas estão representando as transformações e mudanças sociais, econômicas, arquitetônicas, e/ou culturais ao redor do mundo.
Neste momento, há um intenso movimento de fotógrafos registrando os prédios do Construtivismo na região da antiga União Soviética. Trabalhos não tão metódicos quanto às tipologias do casal Becher, mas igualmente documentais. Dentre os quais cito os trabalhos de Anya[26], hercúlea produção de fotografias sobre mosaicos e prédios soviéticos; Arseny Kotov[27], suas fotografias registram cidades abandonadas, monumentos socialistas, a simplicidade do cotidiano da vida urbana em meio às imponentes construções soviéticas; Daniel Corazón[28], as lentes do fotógrafo capturam estátuas, mosaicos, prédios do século XX, como pano de fundo da vida contemporânea do povo russo; Konstantin[29], suas imagens são, predominantemente, de edifícios construídos pelo Estado Soviético; Meau[30], o artista, ao isolar fachadas de construções da arquitetura construtivista ou do classicismo soviético, estátuas, ou outros imóveis do século XX, observando a simetria e a proporção, ou fazendo interessantes composições, cria maravilhosas imagens do legado socialista; e do querido Valeriy Nemirov[31] – com quem trocamos informações sobre técnicas fotográficas e discutimos sobre arquitetura do Século XX –, quem, com apuro e rigor técnico, fotografa as linhas e as formas, as cores e as sombras, o interior e o exterior, de construções do modernismo russo ou mosaicos soviéticos.
Outrossim, referencio o monumental projeto “Socialist Modernism” desenvolvido pela BACU – Birou pentru Artă şi Cercetare Urbană (Departamento de Arte e Pesquisa Urbana), que tem registrado a arquitetura edificada na Alemanha Oriental, Bulgária, República da Moldávia, Romênia, Rússia, Sérvia, Ucrânia entre os anos 55-91[32].
A música e o audiovisual, por seu turno, também têm acompanhado esse movimento. Muitas letras de canções do que se convencionou chamar de “Sovietwave” – subgênero ou derivado do “pós-punk” – cuidam desse passado socialista, seja de forma saudosista, seja de modo crítico. O videoclipe da música “Volny”[33], da banda Молчат Дома (Molchat Doma), é um impressionante sobrevoo de drone sobre ruas, prédios, usinas, em Pripyat[34], uma cidade abandonada na Ucrânia – a capa do álbum, por sua vez, é uma construção modernista, o prédio do Hotel Panorama[35], projetado pelo vanguardista tcheco Zdeněk Řihák e inaugurado em 1970 na Eslováquia.
Em Portugal, temos as imagens de Gastão de Brito e Silva com o projeto “Ruin’arte”[36], onde o fotógrafo reuniu centenas e mais centenas de fotografias de construções (aproximadamente 1600 imóveis) abandonadas por todo o país. Na Bélgica, Christophe Van de Walle vem explorando palácios e palacetes abandonados por toda a Europa e criando imagens magníficas destes imóveis destruídos e tomados pela vegetação.[37]
Seja registrando a memória arquitetônica no Leste europeu, a opulência e a suntuosidade de um passado feudal, ou o abandono de uma cidadezinha na Amazônia por uma grande companhia automotiva, todas essas imagens capturam sinais remanescentes de algo que já não mais existe e estão intimamente atreladas ao fenômeno da transformação e da mudança.
Entendemos, modestamente, que nosso projeto de fotografar os sinais do processo de desindustrialização às margens da antiga São Paulo Railway está, mais ou menos, dentro desse movimento global que insuficiente e brevemente descrevemos – os trabalhos de pesquisa e de registros ainda estão em andamento.
Bem como, temos que os nossos impulsos têm origens distintas e que a nossa “atração” é específica e particular, estando intimamente vinculada à questão nacional, dentro de um contexto latino-americano e de um país dependente.
Um adendo político. Não fazemos coro àqueles que atribuem a causa da desindustrialização à luta sindical do ABC, ou que chamam direitos trabalhistas de jaboticaba, muito menos cerramos fileiras com liberais que simplificam problemas econômicos complexos e chamam as conquistas sociais de “custo Brasil”. Estamos em outras trincheiras.
Por fim, estamos convencidos que trazer a questão da dependência econômica por meio da fotografia, às vésperas do bicentenário da Independência política do Brasil, em última instância, é uma provocação à discussão política sobre a autodeterminação do povo brasileiro que só se dará com a independência econômica.
[1] “Por aí se vê que a modernização econômica associada à extinção do estatuto colonial e à implantação de um Estado nacional independente não tinha por fim adaptar o meio econômico brasileiro a todos os requisitos estruturais e funcionais de uma economia capitalista integrada, como as que existiam na Europa. Os seus estímulos inovadores eram consideráveis, mas unilaterais. Dirigiam-se no sentido de estabelecer uma coordenação relativamente eficiente entre o funcionamento e o crescimento da economia brasileira e os tipos de interesses econômicos que prevaleciam nas relações das economias centrais com o Brasil.” FLORESTAN, Fernandes. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 6ª Edição. São Paulo: Contracorrente, 2020. P. 105
[2] Aproveitamos a ocasião para registrar o evento “1922: modernismo em debate”: ciclo de debates que iniciará em 29 de março e se prolongará até dezembro de 2021, promovido pela atuação conjunta entre a Pinacoteca de São Paulo, o Instituto Moreira Sales e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
[3] “Essa lentidão foi abalada na década de 60 do século XIX quando, com surpreendente rapidez, a ferrovia, saindo do porto de Santos, deslizou quase de supetão pela íngreme Serra do Mar, acima e inundou o planalto com o seu tempo próprio, sua velocidade, sua nova espacialidade, a nova mentalidade que disseminava, a da pressa, a do chegar logo, a do não ter tempo, a de estar no mesmo dia em dois lugares antes separados por dias de cavalgada. O moderno que se arrastava ocultamente se tornou visível, máquina a vapor, equipamento, alterações no espaço, outra linguagem, outro modo de ser e ver-se. Tornou-se de fato o que já era sem poder ser: o temo regulado pelo custo e pelo lucro. O homem deixava de ser o condutor da tropa para ser conduzido como tropa.” MARTINS, José de Souza. A aparição do demônio na fábrica: origens sociais do Eu divido no subúrbio. São Paulo: ED. 34, 2008. P. 16
[4] Ao canto superior esquerdo da tela “São Paulo”, de 1924, de Tarsila do Amaral, se pode ver os trilhos da S.P.R. “A tela retrata a mais emblemática paisagem do espírito moderno da cidade de São Paulo na época, o Vale do Anhangabaú. É mais uma das telas da fase Pau-Brasil em que Tarsila mostra desta vez o Brasil urbano com a técnica cubista e as cores caipiras.” Fonte: http://tarsiladoamaral.com.br/obra/pau-brasil-1924-1928/
[5] O Decreto Imperial nº 1.759/1856 autorizou “a incorporação de huma Companhia para a construcção de huma Estrada de ferro entre a Cidade de Santos e a Villa de Jundiahy, na Provincia de S. Paulo”, a chamada São Paulo Railway. Fonte: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1759-26-abril-1856-571236-publicacaooriginal-94323-pe.html
[6] Fotografias de Guilherme Gaensly:
“S.P.R. Estação Piassaguera” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/955
“S.P.R. Estação da Luz” (i) – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/957
“S.P.R. Estação da Luz” (ii) – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/958
“S.P.R. Estação da Luz” (iii) – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/959
“S.P.R. Estação da Luz: Entrada” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/960
“S.P.R. Estação da Luz: Restaurante” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/961
“S.P.R. Alto da Serra” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/774
“S.P.R. Viaducto na linha nova” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/956
“Álbum Fotografias de São Paulo 1900 – Alto da Serra – São Paulo Railway” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/1862
[7] Fotografias de Marc Ferrez:
“Estrada de Ferro São Paulo Railway – Estação da Luz” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/7264
“Estrada de Ferro São Paulo Railway – Estação da Luz” –
http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/7263
“Serra de Santos” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/7262
“Ferrovia São Paulo Railway – Ponte da Grota Funda – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4753
[8] Fotografias de Frederic Manuel:
“São Paulo Railway Company: Alto da Serra” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4192
“São Paulo Railway Company: Grota Funda (as duas linhas)” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4193
“São Paulo Railway Company: Serra do Mar” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4194
“São Paulo Railway Company: Estação da Luz, vestíbulo” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/4206
[9] Fotografias de Militão Augusto de Azevedo:
“Construção da Estrada de Ferro Santos – Jundiaí” –http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2376
“Construção da Estrada de Ferro Santos – Jundiaí” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2375
“Raiz da Serra. Subida do primeiro plano inclinado” – http://brasilianafotografica.bn.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/2379
[10] “Não era apenas o fator isolado dos trilhos e das estações ferroviárias que atraíram as indústrias, mas também a disponibilidade de terras planas, amplas e baratas ao redor das estações e dos trilhos. Vários autores comentam a ‘atração’ exercida pelas estações ferroviárias sobre as industrias paulistanas no final do século passado e começo deste. O que parece não ter sido evitado, por alguns autores, é a redução da explicação da ferrovia como um fator isolado na ‘atração’ da indústria no interior da cidade. Alguns autores não chegam a afirmar categoricamente que a ferrovia foi o único elemento atrativo, mas por ele ser predominante reduz-se muitas vezes a este único fator como assinala Pierre George: ‘ A ligação geográfica entre as empresas ferroviárias e a localização do estabelecimento industriais parece ser fundamental, nesta primeira fase do desenvolvimento industrial’ (…) ‘… numa segunda fase, a direção que prepondera sobre as demais, é aquela orientada pelo eixo da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, que abrange o parque da Mooca, São Caetano do Sul, Santo André e Mauá.’ As linhas férreas são citadas como os eixos principais de industrialização e norteador da expansão urbana na cidade de São Paulo e desta para outras cidades da região metropolitana como parece expor Monbeig: ‘Ao longo da via férrea o desenvolvimento do Parque da Mooca e da Vila Prudente atingiu a aldeia de São Caetano’.” LAURENTINO, Fernando de Pádua; ANDRADE, Margarida Maria de. Várzeas do Tamanduateí: industrialização e desindustrialização. 2002.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
[11] Mais informações: https://fotoclub.art.br/historia/
[12] Mais informações: https://ims.com.br/titular-colecao/hans-gunter-flieg/
[13] Fonte: COSTA, Helouise; FABRIS, Marcos; FLIEG, Hans Günter. Seminário Modernismos em Diálogo: o papel social da arte e da fotografia a partir da obra de Hans Gunter Flieg. Seminário Modernismos em Diálogo: o papel social da arte e da fotografia a partir da obra de Hans Gunter Flieg[S.l: s.n.], 2015. P. 48 (http://www.livrosabertos.sibi.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/view/313/274/1172-1)
[14] O professor titular do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp, Wilson Cano, no artigo “Industrialização, desindustrialização e políticas de desenvolvimento”, afirma acerca dos acordos neoliberais firmados pelo Brasil: “Não adianta pensar em Economia apenas por um prisma técnico de formular uma determinada receita quando o problema é político. Se os governos, depois de 1990, venderam a alma ao diabo, ou seja, ao sistema financeiro; precisamos romper esse acordo. Mas é uma atitude muito complicada, pois quando se faz acordo com o diabo ele vai exigir a sua alma, depois de levar o fígado, o pâncreas. De todo modo, os horizontes políticos internacionais são dos piores.” Revista FAAC, Bauru, v. 1, n. 2, p. 155-164, out. 2011/mar. 2012; ISSN 2236-3424, V.1 N.2 Fonte: https://www.wilsoncano.com.br/artigos-publicados
[15] Fonte: https://revistazum.com.br/revista-zum-1/hilla-becher/
[16] Mais informações: https://steidl.de/Books/After-the-Flood-0915384748.html
[17] Mais informações: https://photoawards.com/winner/zoom.php?eid=8-21528-10
[18] Mais informações: https://www.theguardian.com/artanddesign/2011/jan/23/kai-wiedenhofer-book-destruction-gaza
[19] Selecionamos as hashtags com mais de cem mil publicações: #abandon #abandoned (8 milhões) #abandoned_addiction (600 mil) #abandonedbuilding (700 mil) #abandonedafterdark (1 milhão) #abandonedcentral (300 mil) #abandonedplaces (4 milhões) #abandoned_junkies (1 milhão) #abandonedphotography (500 mil) #abandonedplaces (4 milhões) #all_is_abandoned (700 mil) #anonymousbando (300 mil) #batpixs_lostplaces (100 mil) #decay (3 milhões) #decay_explorers (400 mil) #forgottenplaces (600 mil) #global_urbex (200 mil) #ig_urbex (1 milhão) #kings_abandoned (1 milhão) #ruins (3 milhões) #savethedecay (600 mil) #the_urbex_institute (300 mil) #total_abandoned (600 mil) #urbex (9 milhões) #urbexartists (300 mil) #urbex_utopia (1 milhão) #welcometwoneverland (200 mil) #world_wide_urbex (200 mil)
[20] Dissertação de mestrado: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16136/tde-12122017-140505/publico/AnaLuciaBenedictoOttoni.pdf
[21] Mais informações: https://www.romypocz.com/work/a-ultima-aventura
[22] Mais informações: https://www.instagram. com/romypocz/
[23] Mais informações: https://www1.folha.uol.com.br/amp/ilustrada/2021/01/ford-deixa-o-pais-agora-mas-antes-abandonou-uma-cidade-inteira-na-amazonia.shtml, consultado em 10 de março de 2021
[24] Mais informações: http://www.marchandmeffre.com/detroit
[25] Mais informações: https://www.nytimes.com/2011/08/21/arts/design/andrew-moores-photographic-take-on-detroit-decay.html ou https://www.andrewlmoore.com/detroit
[26] Mais informações: https://www.instagram.com/ankaaaaaaaaaa/
[27] Mais informações: https://arseniykotov.com/
[28] Mais informações: https://www.instagram.com/dancorazon_23/
[29] Mais informações: https://www.instagram.com/kot_h/ ou https://www.instagram.com/brutalistbeton/
[30] Mais informações: https://indebuurt.nl/leiden/genieten-van/tof-9-x-leiden-door-de-ogen-van-fotograaf-modaser~104697/2/
[31] Mais informações: https://en.vnemirov.com/ ou https://www.instagram.com/v.nemirov_/
[32] Fonte: https://socialistmodernism.com/ ou https://www.instagram.com/_ba_cu/
[33] Mais informações: https://www.youtube.com/watch?v=-6G6AW7oApA
[34] Mais informações: https://www.google.com/maps/@51.4020795,30.0434785,3a,75y,23.6h,90.85t/data=!3m8!1e1!3m6!1sAF1QipOuRhAR-ASJ9zj-Z0BkYEFuAZxs4Sir3_4sggck!2e10!3e11!6shttps:%2F%2Flh5.googleusercontent.com%2Fp%2FAF1QipOuRhAR-ASJ9zj-Z0BkYEFuAZxs4Sir3_4sggck%3Dw203-h100-k-no-pi-22.516352-ya145.68736-ro-3.5754633-fo100!7i6720!8i3360
[35] Mais informações: https://hotelpanorama.sk/
[36] Mais informações: https://www.publico.pt/2015/11/27/p3/fotogaleria/ruinarte-imagens-de-um-pais-devoluto-385462
[37] Mais informações: https://www.artdecay.eu/gallery/ ou https://www.instagram.com/christophe _van_de_walle/
Muitos são os agradecimentos do Coletivo Desvio Particular, dado que contamos com a colaboração de muitas pessoas que, em plena pandemia, presencial ou remotamente, tornaram este ensaio possível. As cooperações foram várias, de abstratas e complexas discussões sobre economia a histórias de prédios ou bairros, de funcionários que permitiram que nós entrássemos às dependências de estacionamentos para fotografarmos, passando pelos efetivos proprietários de prédios históricos que nos franquearam o acesso aos seus imóveis, aos acadêmicos e intelectuais que nos ajudaram, estabelecendo contatos, abrindo portas ou discutindo conceitos e fenômenos históricos.
Inicial e especialmente, agradecemos ao Comitê Brasileiro para Conservação do Patrimônio Industrial (TICCIH/Brasil), que tão entusiasticamente acolheu o nosso projeto e nos apoiou. Agradecimento este que fazemos na pessoa do Professor Dr. Eduardo Romero, a quem somos gratos pela atenção que dispensara ao Coletivo e pelas ricas discussões que tem tido conosco. Outrossim, agradeço a Evandro Nogueira Santana Junior, pela dedicação na construção da página da presente exposição virtual.
Agradecemos à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM pelo pronto atendimento e pela autorização que nos deu para fotografarmos nas áreas sob sua concessão. Agradecimentos que fazemos nas pessoas de Rodrigo Pontes e de Gerson Faria.
Agradecemos à Faculdade das Américas pela autorização que nos deu de fotografarmos o interior do Campus Mooca, antigo Moinho Santo Antônio. Agradecemos, também, à querida professora Lúcia Reisewitz, quem nos auxiliou no requerimento de autorização junto à instituição.
Agradecemos ao Centro de Memórias Queixadas, à Agência Queixadas e ao Quilombaque, pelas histórias contadas e pelas conversas, pelos direcionamentos, pela explanação do funcionamento da antiga Companhia Brasileira Cimento Portland Perús. Agradecimentos esses que faço nas pessoas de Camila Cardoso, Jéssica Moreira e Raul Costa. Viva a “firmeza permanente”!
Agradecemos à Família Abdalla pela autorização para fotografia e acesso à antiga Companhia Brasileira Cimento Portland Perús.
Uma fotografia, enquanto valor de uso, esconde, na dimensão do seu valor de troca, uma infinita cadeia de relações econômicas e sociais, histórica e politicamente determinadas, regional e globalmente conformadas, estabelecidas entre seres sociais.
Muitos destes seres sociais estão escondidos, por sua vez, nos confins deste país, em “favelas, mocambos, malocas e alagados”, onde o Brasil moderno jamais chegou, onde atualmente se voltou a usar o antediluviano fogão a lenha, onde a fome foi mais presente que o Estado.
Portanto, dedicamos este trabalho às “vítimas da fome” e aos “famélicos da terra”, aos quais ainda pende a união.
Todos direitos reservados ao Coletivo Desvio Particular
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